1. SÓ CASCA! –Mestre, agradeço sua boa
vontade em me receber e começo com a pergunta de praxe qual a história do judô
na sua vida?
2. Mestre Ruffoni – Primeiro é um prazer
conversar e contribuir com o trabalho do Só Casca, sempre uma satisfação muito
grande em participar de trabalhos que falam sobre lutas, pois afinal, as artes
marciais são a história de minha vida. Eu pratico judô desde 4 anos de idade de
forma ininterrupta. Já passei por todas as fases do judô, fui praticante,
atleta competidor em torneios, técnico de delegações de judô e cheguei até os
cargos corporativos dentro da federação de judô no Brasil. Paralelamente a tudo
isso fui aperfeiçoando o meu judô, hoje eu sou faixa vermelha e branca, Kodansha como chamamos no judô. Hoje sou
coordenador técnico da Equipe Ruffoni, com mais de 30 anos no mercado do judô,
já formei 45 faixas preta, tenho um que é 5º Dan de judô.
3. SÓ CASCA! –Mestre, vamos voltar um
pouquinho mais em sua história. Por que foi o judô? Foi por morar perto de uma
academia de judô? Qual foi a razão?
4. Mestre Ruffoni –Vou lhe explicar, meu
irmão fazia judô e de forma natural acabei me inserindo no processo.
5. SÓ CASCA! –Ele era mais velho que o
senhor?
6. Mestre Ruffoni –Era mais velho que eu,mas,
se me chamar de senhor novamente vou dar um ippon em você... Então minha mãe
colocou a gente para fazer judô aqui na ABB Tijuca, antigo Satélite Clube.
7. SÓ CASCA! –Quem era o mestre o senhor
se lembra?
8. Mestre Ruffoni –Claro. Era o Mestre
Ogino (Shihan Massami Ogino). Quem era o mestre Ogino? Um grande diferencial
uma grande felicidade que eu tive em minha vida. Ele foi simplesmente aluno do
mestre Jigoro Kano. Então desde pequeno convivi com ele, me pagava um lanchinho
aqui no Clube Satélite, me lembro até hoje, um misto quente com Coca-Cola para
eu ficar ensinando aos meus coleguinhas, ajudar nas aulas, ainda criança, com
13 anos já tinha o dom de ensinar. Convivi muito com ele, tinha prazer de contar
as histórias, os feitos do mestre Jigoro Kano e histórias do Japão. Foi uma
grande felicidade de minha vida, toda minha fonte inspiratória do judô, fui
formado de acordo com toda uma doutrina ortodoxa japonesa.
9. SÓ CASCA! – O senhor pode dizer que
esse convívio deixou marcas na sua formação pessoal ?
10. Mestre Ruffoni –Nilson, hoje eu posso
lhe dizer que minha formação, meu caráter, minha disciplina, minha conduta
ética, enfim minha postura como homem eu devo muito ao mestre Ogino. Se você
for verificar no meu site logo no início há uma foto dele com a legenda “mestre
inspirador”. Foi exatamente isso para mim.
11. SÓ CASCA! –Ele deu aula quanto tempo
aqui na Tijuca?
12.
Mestre
Ruffoni –O mestre Ogino deu aulas durante muito tempo aqui na Tijuca, tem
toda uma história também no Ginástico Português, na Hebraica e ele veio a
falecer há aproximadamente uns 10 anos . O judô deve muito a ele aqui no
Brasil.
13.
SÓ CASCA!
–O senhor disse que chegou a competir, lembra de algum torneiro?
14. Mestre Ruffoni –Lembro, sempre brinco
com uns alunos meus,já fui Bicampeão Estadual, quatro vezes Vice-Campeão, e
meus alunos brincam comigo, “mestre quatro vezes vice?” aí a gente ri muito com
essa história. Fui um competidor digamos de nível médio.
15. SÓ CASCA! –Mestre e aí como entra o
mundo acadêmico nisso?
16. Mestre Ruffoni –Como lhe disse depois
de passar por todas essas fases, praticante, atleta competido, professor,
técnico de delegações de judô até no exterior; considerei que eu podia ir mais
longe. Comecei a tratar o judô como meu objeto de estudo acadêmico. Fiz uma pós-graduação
em judô na UFRJ; outra em marketing esportivo na Castelo Branco, que me deu uma
grande visão mercadológica. Depois fiz mestrado em Ciência da Motricidade
Humana, esta dissertação teve por título
Análise Metodológica na Prática do Judô; dois anos depois fui para o
doutoramento em Portugal, no campo da gestão do desporto cujo tema também foi o
judô, comportamento dos praticantes de judô no estado do Rio de Janeiro, título
da tese. De modo que, além de Kodansha sou doutor. Enfim reuni a práxis
pedagógica, o que seja, consegui nortear a teoria com a prática.
17. SÓ CASCA! –Essa formação é uma coisa
rara não é?
18. Mestre Ruffoni – Sem duvida é um
diferencial na formação dos professores. Houve um concurso público
realizado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, para professor de
judô. Fiz o concurso, passei para professor efetivo. Então hoje além de ser o
coordenador técnico da equipe Ruffoni sou professor adjunto da Faculdade
Federal Rural do Rio de Janeiro e atuo naquela mesma universidade como coordenador
do curso de educação física, na qual tenho um grande orgulho.
19. SÓ CASCA! –O mestre mencionou crianças,
pergunto uma questão que é uma das minhas temáticas nas entrevistas, acho que o
mestre Ruffoni é uma das pessoas apropriadas para falar a respeito, porque as
pessoas falam que o ideal para as crianças é o judô e não outras artes
marciais? o senhor naturalmente acredita nisso, mas porque razão?
20. Mestre Ruffoni –Eu sou um defensor nato
do judô... Vou acender meu incenso aqui, até para deixar registrado que é um
lado espiritual que eu acredito muito dentro da prática judoistica e da cultura
oriental. Então porque desse conceito do judô infantil... Eu tenho vários
artigos hoje de minha autoria e orientação a alunos meus a respeito da prática
infantil do judô e de sua prática pedagógica. Recentemente eu orientei um aluno
meu da Estácio, que é professor da minha equipe, o trabalho dele era justamente
sobre os motivos que levam os pais a inserir os filhos na prática do judô.
Então cada vez mais cedo os pais colocam os filhos no judô. Para você ter uma ideia
aqui na nossa Equipe Ruffoni temos o judô baby, para faixa etária de 3 a 4
anos, o que eu não imaginaria há tempos atrás , com essa idade para se fazer
judô. Nessa pesquisa que mencionei são identificadas as razões que justificam a
prática do judô para crianças: a disciplina, a sociabilização, a questão do
desenvolvimento motor, porque essa geração é uma geração de apartamento, da
tecnologia, do tablet, enfim, sedentárias. Não sem razão o judô foi considerado
pela Unesco como o esporte mais importante para prática entre 4 a 20 anos de
idade. Outro ponto para deixar registrado, o judô hoje, te falo com muito
orgulho, é o esporte olímpico que maior número de medalhas conquistou. Até a última
olimpíada era a vela, hoje é o judô que mais trouxe medalhas para o Brasil,
mais um diferencial. Essa questão do judô infantil, falo com muita propriedade,
minha casa, na minha alma, ele tem esse contributo formativo, mas o que eu
defendo aqui é que a nossa equipe de judô, aqui não é um centro de treinamento,
é uma escola de judô. O que seria esse diferencial, algumas agremiações,
constam com técnicos de judô, então, na
equipe de judô Ruffoni, a coisa não é assim. Todos aqui são professores de
educação física, antes de formar atletas, nós contribuímos no processo de
formação de cidadãos, trabalho na integridade, na formação moral, enfim prepará-los
para a vida, não apenas para um movimento de seoi-nage, koshi guruma
para o ippon. As competições, meus alunos competem, mas elas não podem ser um
fim, elas são contributo para a formação das crianças a médio e longo prazo.
Para isso é importante que haja uma integração entre pais professores e alunos,
para que haja esse trinômio dentro de processo educacional, aqui nós temos uma
escola de judô, uma escola no conceito formativo educacional. Não é fácil, não
é um discurso...
21. SÓ CASCA! –Muito interessante, associo
isso a questão da diferença que se costuma fazer entre o professor, o atleta e
o mestre, quer dizer, nem sempre a ostentação da faixa preta significa que se é
um mestre no sentido amplo, de estar preocupado e, sobretudo, preparado para
ajudar nessa formação integral dos alunos, especialmente as crianças. E a gente
fica com essa dúvida, há tantos faixas preta por aí, será que eles tem meios de
contribuir ou mesmo se interessam em contribuir por essa formação integral das
crianças?
22. Mestre Ruffoni –Como disse antes,
formei 45 faixa pretas, vou formar mais dois para segundo dan e são 30 anos
nesse processo de construção e eterno aprendizado.
23. SÓ CASCA! –e eles procuram o senhor
depois, buscam um conselho, um apoio, uma orientação?
24. Mestre Ruffoni –Sim, o que fica aqui
esse conceito de judô Ruffoni, é de equipe mesmo, de unidade, carinho,
respeito, por exemplo, dia 7 de dezembro é a troca de faixa aqui, se você puder
comparecer para tirar umas fotos e ver o ambiente, será um prazer, você verá
que eu convido vários faixas preta antigos. Uma grande divisor de águas que
vejo na prática desportiva, é o técnico que só se preocupa com o imediatismo
com aquele atleta que ganhe e pronto e na verdade estamos preocupados com o
aluno a médio e longo prazo. Em contribuir para sua formação na escola, em
canalizar a sua agressividade, estimular aquela criança que é mais tímida, mais
introspectiva, estimular o desenvolvimento motor da criança, enfim são fatores
que você vai por meio da sua experiência trabalhar numa avaliação diagnóstica
para ver o melhor caminho para a criança. De modo o que temos aqui é uma escola
de formação.
25. SÓ CASCA! –Essa percepção toda que o
mestre possui, adquiriu lá na época do mestre Ogino?
26. Mestre Ruffoni –Isso veio do mestre
Ogino, da cultura oriental. Claro, a gente não pode negar.
27. SÓ CASCA! –Ele passava isso para o
senhor?
28. Mestre Ruffoni –Claro, ele foi
responsável por isso, mas infelizmente eu era muito novo, se eu tivesse naquela
época a maturidade que possuo hoje teria explorado muito e mais cedo os
ensinamentos dele a respeito.
29. SÓ CASCA! –Mas, apesar disso o senhor
percebia toda essa conduta dele?
30. Mestre Ruffoni –Percebia sim, tanto que
chegou a um ponto que levei essas questões para o âmbito acadêmico. Todos os
meus temas acadêmicos são direcionados para lutas e em especial para o judô.
31. SÓ CASCA! –Nem todas pessoas que
acessam o blog Só Casca conhecem a fundo a sistemática das artes marciais ou
mesmo especificamente o judô. Pensando nessas pessoas, lógico, também para o
esclarecimento geral eu gostaria que o senhor explicasse para nós como se obtém
uma faixa preta de judô? Qual é a sistemática? Não é qualquer um que ganha uma
preta, não é?
32. Mestre Ruffoni –No judô hoje é
necessário praticar no mínimo uns 10 anos ininterruptos para chegar a faixa
preta. Geralmente o exame é feito no final do ano, hoje nós temos as faixas “pontas”,
criadas recentemente no regulamento da confederação, são as faixas: branca,
cinza, azul, amarela, laranja, verde, roxa, marrom e preta. Os pequenininhos
ganham faixa cinza e azul, mas como só realizo o processo de troca de faixa uma
vez por ano... veja bem, se é um adulto e você entrou para cá para o judô eu
não dou uma faixa cinza e azul, a gente tem que tomar muito cuidado com o exame
de faixa, para evitar que ele se torne uma banalização, tanto do jiu-jitsu como
do judô, como de todas as demais artes marciais. Isto é uma leitura e
responsabilidade que o professor tem que ter, esse compromisso do exame de
faixa, para que se torne uma coisa séria, sobretudo, para que os alunos
valorizem essa conquista. Portanto, maios ou menos de dez anos. Hoje me parece
que pela federação com 16 anos pode ser faixa preta, mas eu só dou com 18 anos.
33. SÓ CASCA! –Burocraticamente,
concretamente o candidato o que tem que fazer para ascender ao título de faixa
preta?
34. Mestre Ruffoni –Até a marrom o exame é
feito em nível de agremiação, ou seja, dentro da minha equipe, da faixa marrom
para a preta, o exame é realizado na federação. Há uma série de módulos,
pré-requisitos que os candidatos tem a cumprir, exigidos da Confederação de
Judô para a Federação.
35. SÓ CASCA! –Então o procedimento é organizado,
não é qualquer pessoa que chega a faixa preta?
36. Mestre Ruffoni –Isso, o Judô no Brasil
está cada vez mais criterioso, cuidadoso, é importante manter essa leitura até
a faixa marrom também, para que não se banalize as conquistas. Faixa é uma
conquista.
37. SÓ CASCA! –O senhor tem alguma opinião
a atitude de alguns mestres de judô que ingressaram no mundo dos torneios de
MMA, como o PRIDE, o UFC? A participação deles foi boa para o judô?
38. Mestre Ruffoni –A gente tem que
respeitar a autonomia de cada atleta, há faixas pretas que gostam das lutas, o
MMA já tem 20 anos me parece da origem do vale tudo. Os atletas estão abertos
as novas tendências, as novas oportunidades. Precisamos respeitar, é difícil
você julgar dentro de entrevistas, sem conhecer os casos.
39. SÓ CASCA! –Veja mestre, não estou
falando em julgar as pessoas, mas numa visão mais abstrata se essas atitudes
foram boas para o judô como instituição?
40. Mestre Ruffoni –Olha, honestamente eu
não sei se o Jigoro Kano ficaria satisfeito com essa disputa toda. Porque ela
teve uma premissa, preceitos de formação educacional muito forte. Mas, insisto,
são atitudes que precisamos respeitar e ter uma leitura contemporânea, porque o
Jigoro Kano fundou o judô em 1882 e teve anos luzes depois dessa época,
processo da Era Meiji, processo de modernização do Japão, ele procurou juntar
várias artes marciais que tinham por objetivo aniquilar até o fim os
adversários, para formar o conceito do judô, o caminho suave. Mas, ainda assim,
é possível que o Jigoro Kano hoje não ficaria muito feliz
com esse caminho, não seriam verdadeiros judocas, sim lutadores de artes
marciais.
41. SÓ CASCA! –o que é um judoca então?
42. Mestre Ruffoni –Boa pergunta, o judoca
é uma história, é o complemento de tua vida, é um ser humano, o judô , eu chego
a me emocionar... faz parte de minha vida, eu pratico judô desde os quatro anos
de idade, como já lhe disse passei por todas as fazes, aluno, competidor,
técnico, acadêmico... e o mais bacana é que quanto mais você estuda mais você
entende que tem que se aperfeiçoar cada vez mais. O que me dói é que a própria
sociedade não consegue ter essa leitura, ela tem a banalização da mídia, da
questão influência midiática, então a gente vive numa sociedade de consumo,
capitalista, que tem uma grande influência midiática, então os pais as vezes
olham para esse mundo onde o esporte é espetacularizado, um esporte de alto rendimento
e querem vincular ao judô praticado para a criança. Derrepente o pai que nunca
teve oportunidade de investir em seu próprio judô, investe na criança, aí vem o
resultado: o treinamento precoce, a busca do resultado imediato, a qualquer
custo, esquecendo assim a formação da criança. Essa é minha grande crítica, no
que se refere as competições infantis, as banalização das faixas, com relação a
vitória a qualquer custo.
43. SÓ CASCA! –Mestre, para não ser mais
extenso, sua aula já vai começar, gostaria de perguntar mais duas coisas, em
todos esses anos no judô quem o senhor apontaria como alguém que foi uma honra
conhecer, alguém que merece ser lembrado e por quê?
44. Mestre Ruffoni –Sem dúvida, minha fonte
inspiradora foi mestre Ogino, nono dan em judô, Massami Ogino, foi minha
referência de judô, um senhor já de idade, sempre, sempre chegava cedo varria
ele mesmo limpava o tatame, sentava num canto com o livrinho dele de japonês,
estudava tudo, o tempo inteiro era uma crítica, que tinha que melhorar, tinha
que me aperfeiçoar, me emociono porque é uma saudade muito grande que fica...
então Massami Ogino, nono dan de judô, uma referência não só para mim, mas para
inúmeros faixas pretas e kodanshas. Ele não é portanto uma referência para o
Ruffoni e sim para o Judô em nível nacional.
45. SÓ CASCA! –A gente quando fala em artes
marciais, sempre menciona a questão da superação, do desafio. O que o senhor
tem a dizer, com base na sua experiência não só para judocas, mas todas as
pessoas, até aquelas que não fazem artes marciais, as pessoas que tem um enorme
desafio pela frente, o que pode dizer para elas?
46. Mestre Ruffoni –Minha vida nunca foi
fácil, o judô sempre foi minha inspiração. É interessante destacar, apesar de o
judô estar no âmbito das artes que chamamos de guerra, “artes marciais”, é preciso
ter cuidado com esse nome “arte marcial”, com essa conotação de confronto.
Porque o judô é antes de tudo uma escola para a vida. Nessa escola, digamos
assim, no judô nos preparamos para vida com a disciplina, com os torneios, com
todo o cuidado com a saúde para manter o peso adequado. O judô, é uma
inspiração eu e meus professores tentamos passar para todos meus alunos, tantas
gerações que já formei, desde as crianças, alunos de três anos ao aluno de 65
anos. A cada obstáculo superado, mais motivação. Isso é importante numa
sociedade em que vivemos, altamente competitivas, veja, tenho alunos de 6 anos
fazendo “vestibulinho” para ingressar em escolas. Então você como professor tem
que estar ciente deste mundo, porém minimizar esse clima de competição entre as
crianças, porque ele o professor, até de artes marciais, é um educador, um
formador de opinião, por isso eu digo é necessário ter cuidado com a afirmação
de que o judô é uma “arte marcial”. Porque o judô é uma luta com fins
educacionais e pedagógicos.
47. SÓ CASCA! –Só para finalizar quem
quiser fazer um bom judô onde procurar?
48. Mestre Ruffoni –Show de bola, Equipe
Ruffoni, “você conhece, você confia”. Temos vários núcleos, cabe destacar que
todos são professores de Educação Física e que acima de tudo o objetivo não é
formar um lutador, sim um ser humano. Temos vários núcleos e informações de
endereço, horários, professores podem ser obtidas no nosso site .http://www.equiperuffoni.com.br/
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